sexta-feira, 21 de maio de 2010

Rotação
















ALTA ROTATIVIDADE


Os passos dele se suavizaram ao tocar a avenida, era dia, perto da madrugada, os primeiros comerciantes se preparavam na correria cotidiana da preguiça da manhã mal começada, a rotina de todos os dias, retalhados na cara amassada para o frescor de um novo dia. Ele se agarrava a atravessar a calçada e um sujo panfleto se agarrou a sua perna que o convidava à uma exposição irreverente da carne podre humana refletida no couro animal. Parecia ser irônico largar a arte na semana que recebe um convite que sempre quis ir, por puro acaso do caso.
Algumas meninas bêbadas riam insolentes na escadaria da esquina dividindo um cigarro sujo de batom cobre, rindo se escancarando a direção nenhuma. Ele se deparou consigo, pregado ao pé do semáforo as observando, como se não fizesse parte do cenário, apenas um expectador confuso no fim de uma boba novela das oito. A mocinha de cabelo ruivo lhe atira a guimba entre seus pés e ri em disparate pois a língua não consegue soletrar 'desculpe' e as amigas de roupa colorida a encorajam a ir até ele, mas quem vai é o próprio.

Uma caneta escorrega dos dedos frios e gelados. Quem disse que no Rio de Janeiro não faz frio? Parecia mais uma imagem de Londres, bucólica e cor de cinza e alguns raios de Sol começam a desbotar do céu fazendo um risco lhe atravessa a face em resposta. Ela olha o relógio da parede, faltam apenas quinze minutos para poder sair desse cubículo asfixiante, existem pelo menos duzentos como esse no edifício, mas apenas esse exala pressa, ansiedade e excitamento.
Jacques se levanta e desliga o monitor caminhando confiante até o banheiro, ela sabe que os cubículos ao lado a observam passar, suas pernas por dentro das meias-calças, seus seios escondidos dentro da blusa frouxa e seu sexo comprimido dentro da saia é o pensamento dos seus companheiros de trabalho, mas eles notando que Jacques é fria e não correspondentes acabam sempre se contentam com o 'Bom dia' simpático que ela oferece todos os dias.
Não é novidade o prazer que todos os homens do seu trabalho querem ter na sua cama, ela já aprendeu a usar a libido a seu favor, todos eles apenas querem uma coisa dela, e dizem tudo para conseguir. Juram largar as esposas, promessas malucas de promoções, mentiras retocadas que a tornara feliz, mas Jacques vive a ponto de vomitar-lhes palavras. Não há nada no sexo que ela já não sabe, isso é o que mais a aborrece. Evitando pensar nisso que se tranca no banheiro gelado e pateticamente branco, senta-se na tampa da privada, abaixa a meia calça e calcinha aos tornozelos, levanta a saia e deixa seu corpo prazeroso aproveitar os quinze minutos que faltam,sozinha.

Assim que Markus girou a chave liberando a entrada, ela o empurrou avidamente para dentro,invadindo o ar e lhe enchendo a boca com a língua quente ainda cheio de gosto de whisk barato, de cigarro e da noite mal acabada. Ela o beijava com os olhos alcoolizados, as mãos ligeiras desmanchavam a blusa aberta. Ele porém não se movia centímetro, apenas esperando-a tomar forma e o conduzir a qualquer que fosse o cenário, pressionou seus ombros se afastando um pouco para encará-la. Sua pele em tom claro perolado enfeitado por confetes de sardas avermelhadas fazendo algazarra no rosto e busto em harmonia com seu cabelo cor púrpura berrante se desajeitando no coque espalhado em desalinho da madrugada embriagada. Ela se despiu depressa, encarando o chão em uma guerra particular, revelava os seios pequenos, o ventre ajeitado nos quadris, as coxas abertas mostrando despudoradamente seu sexo bonito que ele observou mais atentamente, vendo apenas que este ponto crucial lhe pareceu mais arte do que a humanidade. Só o que não encaixava no quadro era seu rosto nada convincente, sua apatia e desamor com seu corpo estendido à ele tão claramente, sem excitamento, sem emoção, sem sentido. Suas mãos faziam um apelo mudo e o agarraram desesperadamente, como se a entrada em seu corpo pudesse salvá-la. Era irônico, ela completamente nua como Deus desenhou a mulher e ele estranhamente vestido como se pudesse memorizar seu efeito, quando já não pode mais olhar se rendeu ao pedido e deitou a seu lado. Como em um dar de ombros e colocando-se a beijar sua água salgada despencando dos seus olhos e desejando uma boa noite, um bom dia.


Acordou sem abrir os olhos, sentindo o som de uma música fina saindo do rádio da vizinha acompanhado de um aroma e uma fresta de Sol, encarou o teto e a meteorologia da televisão sem som, o relógio parado ao lado da cama. Jacques regulava toda sua rotina, todos os horários do seu dia e todos os dias da sua vida, todas as suas horas eram observadas e cheias de limitações de suas obrigações, todos os dias, exceto o domingo, este era o dia sem hora, sem cor, sem texto, sem gente, onde ela era dona de todas as horas, podendo ir e vir do mesmo momento dentro da sua imaginação. Era a única fantasia que se permitia fazer, se abster da rotina como todo mundo fazia e completava a sua forma como se as horas fossem de massinha de modelar fazendo filmes sem sentido em stop motion, sentia-se sua própria dona dentro do mundo feito em uma canção de bossa nova dos anos setenta, emprestados do apartamento de parede fina ao lado. Apertou um cigarro em seda-napo queimando a garganta e jogando a fumaça densa da boca para dentro da cabeça indo embora com elas as lembranças torpes, meio borradas da noite passada, que justificavam a inquietação, a necessidade de calcular seu tempo, fazendo seu corpo se retorcer em resposta. Como ela não sabia o quê era tal coisa, o que a havia acometido se prontificou a não fazer nada, exceto cantar a velha música em francês errado de propósito, como ela diria.


Irritado consigo mesmo e finalmente desperto, reabriu seu passado mais cedo e quando percebeu era noite, em um elipse real da sua própria figura desenquadrada, não tinha comido, nem bebido nada fazendo sua carne doer de exaustão. Sabia que estar vivo é não somente vagar e sim posicionar sua figura para outras pessoas constatarem sua existência, o quê ninguém viu, não pode existir ao mundo, e isso o agitava mais. Cinco telas estranhas e sem nexo o censuravam agora e por pouco ele poderia jurar que nunca as tinha visto antes até esse instante, como se as tivessem sido arrancado de dentro da sua mente em um ritmo tão ligeiro que o corpo não acompanhou. A casa cheirava a mulher e tinta a óleo deixando imaculado o lenço dela estirado no meio do caminho denunciando sua vinda e estadia. Nenhuma das cores e formas poderiam fazer demonstrações de como ela era por dentro, do que ele tinha visto, ou do gosto dos seus olhos, seus dedos cobertos por tintas substituíram os pincéis naquelas telas, nada realmente se parecia com suas próprias imagens e pode ver nitidamente que sua memória havia lhe traído, a todo instante sua imagem vinha e sumia antes de ser capturado. Em um canto afoito da janela via os letreiros reluzentes em neon o intimando a rua, mas não se permitiu mais uma noite acendendo velas a si próprio no Baixo Gávea, essa noite iria ser só de café e dela.


Aquele som a atormentava, confundiam seu caminho e sua esperança do certo e errado. Os carros agitados de fim de semana se esbarravam pelas ruas e pareciam contentes em atropelar uns aos outros com suas buzinas estridentes, que mais a distraiam que guiavam, as bicicletas coloridas na contra-mão ainda ponderando atalhos ou ruas compridas, todas em busca de caminhos rápidos e ela resgatando alma no fundo das lembranças de onde a sede insuportável começou. Ela só queria se tele-transportar rápido sem chamar a atenção demais dos seus cúmplices do tráfego que buscavam seus seios balançando no galope das ruas esburacas e percebendo o embaçado dos seus cabelos chamativos a cada jorrada de vento frio, chamando para si toda a atenção dos seus demônios pessoais e pareceu estupido endemoniar homens e correr ao encontro de um. Um dos seus perseguidores a chamou e se posicionou num tropego mais rápidos, e ela o ignorou rapidamente, em algum lugar do mundo das horas era tarde, e ela, só. Por um instante de segundo, ela sentiu culpa pelo desejo dos outros homens e quis que isso parasse para que pudesse seguir seu caminho sem medo, mas para sua desgraça um botão se desprendeu, enchendo a gula da malícia. Pedalou de olhos fechados. Se se esforçasse sentiria as mãos grandes já pousadas sobre ela.

Seus olhos se abriam e fechavam em sufocamento, era como se os olhos vissem pela primeira vez, sua boca estava seca em curva de sons incompreensíveis e nada era humanos em um dialeto bizarro de um dueto feito por bocas agora desocupadas, suas mãos agarradas ao lençol da cama com veemência , seus joelhos levemente curvado oferecendo seu calor que fez queimar todo o corpo, todo chão e ar.
Se movimentaram juntos em contraste corpóreo se arregalando de espasmos alucinógenos e pode sentir que alguma coisa estava errada, ou certa demais. Era algemada pelas pernas em posição de rendição, mas dessa vez ela não queria comandar, só queria poder brincar de domingo e esticar essa sensação, para sempre. A cada entrada, a cada saída sentia-se mais próximo do centro de todas os pecados carnais, não haveria uma só vontade que seu corpo pedisse naquele momento que pudesse negar e ela em resposta não ousou se modificar apenas estendeu a pelve, o colo, o útero se colocando despudoradamente a ele, em um pedido de mais. Seus seios em auto relevo, molhados e arrepiados se misturavam entre cabelos soltos enroscados pelo corpo, cada vez mais rápido e urgentes, cada vez mais impiedosos e prazerosos, o suor lhe escorrendo a pele enquanto mente incapaz de captar todos os sentidos ao mesmo tempo se prostrou a escapar um gemido de satisfação que resolveram falar igual, ambas transbordando de gozo, de sede, de realização e de prazer.

Ela ajeitou o relógio do domingo encerrado e já era hora de contar as horas.
Ele ajeitou as tintas na tela e as jogou fora,
O gosto do seu sexo por dentro em nada tinha gosto de tinta.

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